sábado, 11 de dezembro de 2010

As crônicas de Dylan


Eu to lendo o livro de crônicas do Bob Dylan e, nossa senhora, como esse senhor escreve bem. Sim, não é à toa né, ele é o Bob Dylan, um letrista incomum, mas tem muita gente que faz letras inacreditáveis e não consegue ter essa fluência na ficção, nem sequer tenta.  Não é por acaso que ele era da turma dos beatniks, porque eles sacavam muito.

Eu vou colocar um trecho aqui de uma história em que ele conta quando assinou com o selo Columbia, lugar aonde Dylan tinha o sonho de trabalhar. Quando o responsável pela publicidade recebeu a missão de entrevistá-lo para poder divulgar na imprensa, Dylan só zoou o cara:

"Billy se vestia no estilo Ivy League, como se tivesse saído de Yale - estatura mediana, cabelo crespo. Parecia que nunca tinha se chapado na vida, que jamais se metera em qualquer tipo de problema. Fui até o escritório dele, sentei do outro lado da mesa, e ele tentou me fazer desembuchar alguns fatos, como se eu tivesse que entregá-los de bandeja. Pegou um bloco de notas e um lápis e me perguntou da onde eu vinha. Eu disse que vinha de Illinois, e ele anotou. Perguntou se eu já havia trabalhado em alguma coisa, e eu contei que tinha tido uma dúzia de empregos, até dirigido um caminhão de padaria certa vez. Ele anotou e perguntou se havia mais alguma coisa. Eu disse que havia trabalhado em construção e ele indagou onde.
"Detroit."
"Você viajou por aí?"
"Sim."
Perguntou sobre a minha família, onde ela estava. Eu disse que não fazia ideia, que eles tinham sumido há muito tempo.
"Como era a sua vida em casa?"
Falei que tinham me mandado embora.
"O que o seu pai fazia?"
"Eletricista."

"E sua mãe, que tal?"
"Dona de casa."

"Qual tipo de música você toca?"
"Música folk."
"E que tipo de música é a folk?"


Disse a ele que eram canções tradicionais. Eu detestava aquele tipo de pergunta. Achava que podia ignorá-las. Billy parecia incerto a meu respeito, e assim estava muito bom. De qualquer modo, eu não estava disposto a responder às perguntas dele, não estava afim de explicar nada para ninguém.
"Como você chegou aqui?", ele perguntou.
"Peguei um trem de carga."
"Quer dizer, um trem de passageiros?"
"Não, um trem de carga."
"Quer dizer um vagão de carga?"
"Isso aí, um vagão de carga. Um trem de carga."
"Ok, um trem de carga."

Meu olhar passou por Billy, pela cadeira dele, pela janela, foi para o outro lado da rua, até um prédio de escitórios onde pude ver uma secretária fulgurante imersa na essência de alguma coisa - atarefada rabiscando, ocupada em sua mesa de um jeito meditativo. Não havia nada de divertido nela. Desejei ter um telescópio. Billy perguntou com quem eu me achava parecido na cena musical do momento. Ninguém, eu disse a ele. Essa parte era verdade, eu não me achava parecido com ninguém. O resto, entretanto, foi pura baboseira - papo de doidão."


Tem uma outra parte que eu achei muito legal também.

"(...) minha avó por parte de mãe morava conosco. Ela era cheia de nobreza e bondade, e certa vez me disse que a felicidade não está na estrada que leva a algum lugar. A felicidade é a própria estrada."

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