terça-feira, 4 de maio de 2010

Papo com Senhor F: cena independente, política e Superguidis

O Senhor F é um nome muito respeitado hoje em dia pelos músicos independentes. Desde 98, o jornalista Fernando Rosa defende a causa justa com a marca criada por ele para sustentar o portal, que contém uma revista online, um selo independente, um programa e uma estação de rádio (rádio microfonia), e a produtora, que organiza o festival Noite Senhor F, entre outros projetos especiais. Como jornalista, Fernando trabalha como assessor de imprensa, na área da política, na qual atua há muitos anos. Como produtor cultural, aposta em talentos emergentes, como a da ótima banda Superguidis, que vem se destacando cada vez mais no cenário nacional. Sempre se dividindo entre Brasília, aonde mora a sua família, a mulher, e suas duas filhas e Porto Alegre; na verdade está sempre atualizado sobre o que acontece na música no Brasil e no mundo, um cidadão sem fronteiras.

Desacostumado com o ameno frio portoalegrense, ele bateu um papo descontraído em um bar da cidade, regado à cerveja, enquanto beliscava alguns pasteizinhos de petisco. Participou também da conversa o produtor da Superguidis, Brisa Daitx.

Como o Senhor F conheceu a Superguidis?
Conheci em 2003, quando recebi o primeiro EP da banda, e me apavorei com a qualidade. Fiz até a resenha na revista Senhor F, que é online, tenho até hoje. No segundo EP, em 2004, eu não acompanhei, mas em 2005, eu criei o selo Senhor F discos, com uma coletânea, que foi lançada em Porto Alegre. Neste dia, os guris da superguidis foram entregar o primeiro disco deles, o disco pronto. Então eu pus na bolsa, voltei para Brasília, e quando escutei o cd, pensei: isso aqui não existe! Esses guris construíram alguma coisa! Eu mostrava para as pessoas, que não entendiam direito, mas eu tenho quatro ouvidos em casa superlegais: os da minha mulher, por ter uma vasta cultura musical, ouviu muita música na vida; e os da minha filha mais velha, por ser extremamente exigente, muito crítica e as duas gostaram. E o disco foi gravado da mesma forma que nos foi entregue. A gravadora devolveu três vezes o disco, dizendo que tinha baixa qualidade e eu tive que assumir um termo me responsabilizando por isso. E depois acabou virando o melhor disco do ano, essa é que é a ironia, um mistério.


E porque o terceiro disco tem o mesmo nome do primeiro?
A idéia de colocar o mesmo nome do primeiro disco no terceiro foi porque o ele nasceu com um conceito, e porque se queria se chamar a atenção para o terceiro disco. A letra de Roger Waters, por exemplo, remete a Time, direto. O primeiro disco costuma ser para chamar a atenção, o segundo é a afirmação e o terceiro consolida. São poucas bandas que conseguem chegar ao terceiro disco com coerência e qualidade autoral, com qualidade de execução, queríamos chamar a atenção para a ideia de ser o terceiro disco e o fato de não ter nome ajuda nisso.

O cd está nas principais lojas, mas a banda vende nos shows, por um custo menor, e disponibiliza no site para download. O disco vai sair na Argentina e a Superguidis vai participar de um festival lá, chamado Ciudad Emergente, que é o principal festival independente do país, e vai acontecer no dia 6 de junho, meio combinado para lançar o disco. No dia 7 de junho vai ser o lançamento do cd aqui em Porto Alegre, no Opinião.

O disco tem um certo encadeamento de refletir o cotidiano do jovem suburbano, que estuda no pro-uni, que pega metrô, que na verdade são os guris (da banda), que corre atrás da informação, que tem internet discada, um pouco desse universo desse moleque emergente do governo Lula. Essas coisas não são nada pensadas, elas vão acontecendo porque na verdade existe uma sintonia das pessoas envolvidas com as coisas que estão rolando e a medida que você vai executando, você vai teorizando e explicando o que vai sendo feito, nada planejado. A banda não tem muita estrutura, viajou recentemente para Manaus, e para vários outros lugares do Brasil de ônibus de linha, dividindo a poltrona com todo o tipo de pessoas, e passando todo a espécie de dificuldade. É a própria banda que se divulga e que cuida de twitter, do site e de tudo o que os envolve, não há uma grande estrutura em volta deles. A internet também ajuda, como no caso em que o disco vazou e o nome superguidis virou o top 10 dos tópicos mais citados no twitter, no dia que se ficou convencionado com superguidis day.


No cenário nacional independente, o qual a banda está mais em evidência?
No Brasil o cenário é bom, você tem algumas bandas que são muito tops, algumas não, uma, o Móveis (Coloniais de Acajú), em termos de público, eles lotam, em qualquer lugar, e a Superguidis. A Stereoscope, que é uma banda do norte, também é muito boa, autoral genial, os melhores letristas do país. No caso da Superguidis, hoje em dia já dá para se fazer um circuito legal de shows de 15 em quinze dias com essas bandas. Se a gente pudesse ter um esquema de ter uma van e sair rodando pelo país fazendo shows, se fizesse isso por um ano, sobreviveria, seria o ideal.

Você tem um histórico bem forte com a política, mas como chegou na música?
É ao contrário. Eu nasci em Santo Antônio da Patrulha, em uma época que tinha Beatles e Roberto Carlos no Rádio. Na verdade, nesta época a música mais popular era a melhor, não é como atualmente. E eu cresci ouvindo Beatles e Rolling Stones no rádio. Aí eu virei meio hippie, um negócio meio woodstock, com Jimi Hendrix... por aqui tinha muito Raul Seixas e Mutantes, Gilberto Gil, Tropicália, Caetano, essa coisa toda. Então assim, eu sempre ouvi muita música. Aí eu descambo para a política. Em 70 e meados eu venho para Porto Alegre, estudar, na UFRGS, para fazer jornalismo e aí acabo entrando na política, e aí fiz política durante muito tempo, fiz política militante. Eu militava em uma organização daqui, regional, que se unificou com o MR-8, que o MR-8 era mais Rio de Janeiro e São Paulo, e aí eles unificaram vários grupos regionais.

Eram grupos estratégicos...
O que aconteceu foi o seguinte: a ditadura dizimou todo mundo. Então começaram a surgir grupos pequenos, e isolados, aqui e ali, a partir de pessoas que tinham vivido o período anterior, que tiveram que ir para o exílio e entrar clandestino no país e aí começaram a organizar grupos de resistência à ditadura. E aí era a molecada que tinha cara e coragem de colocar a cara para bater e entao eu entrei em uma organização que tinha aqui no sul e em 79 essa organização se funde nessa grande fusão que teve patrocinada pelo MR-8 na época. Eu fiz política no MR-8 até 93, mas nunca deixei de ir a shows...

Você nunca teve banda?
Não isso não...eu sou muito desafinado...Eu não tenho a menor noção, eu canto parabéns a você atrás das crianças...Eu tenho ouvido, e eu acho que eu tenho ouvido porque eu cresci escutando muita música no rádio, e em duas décadas em que a música foi muito forte, duas gerações em que teve muito valor o conteúdo, essa coisa conceitual...e eu também nunca deixei de me vincular às coisas novas. Normalmente o cara que tem a minha idade remete muito à nostalgia, ao tempo a que era jovem, mas perai você ainda é jovem... Coloca a juventude na gaveta e não consegue se abrir... Esse é um exercício, e não é fácil. Cara, isso é um exercício. Você ouvir Ramones nos anos 70 e achar legal, ouvir Jesus & Mary Chain nos anos 80 e dizer: acho isso bacana... sempre há uma geração que rompe cronologicamente, e você tem que estar aberto para isso.

Mas eu sempre tive uma mesma lógica para as duas coisas, que é a política e a música, a minha maneira de ver as duas coisas é muito parecida. Eu não sou um político tradicional e antiquado e também não sou um roqueiro radical...e eu aprendi a usar conceitos e percepções... a política hoje é assim, é mais ou menos como uma banda alternativa que é muito boa: ela é barulhenta, toda cheia de arestas, suja, a letra é meio sem-vergonha, todo mundo gosta, e aí ela assina com uma grande gravadora...aí já começa a ficar tudo limpinho, a roupa já muda...


Você tem um partido?
Na real, eu não existe atualmente um partido que se enquadraria ao que eu penso hoje. É mais complicado. Eu já fui um cara que teve uma visão bem socialista, e eu continuo achando isso, só que eu acho que tem muita coisa nova hoje, a coisa da mídia, a coisa da horizontalidade das relações políticas, humanas, sociais, tá tudo em um processo de mudança muito grande, e nenhum partido consegue compreender isso. Acho que tem toda uma lógica ultrapassada, velha, eles não conseguem compreender nem o mínimo dos que deveriam estar fazendo e não conseguem. Eu não sou um esquerdista radical, eu sou até mediano, eu procuro compreender as coisas e tal. Mas eu acho que na política as pessoas não estão compreendo coisas que são elementares.

O Duda Mendonça falou sobre um aspecto interessante em uma entrevista, que na verdade atualmente, os artistas e os intelectuais influenciam menos sobre o poder de votos da pessoas do que o seu próprio colega de trabalho. E aí você lê aquele livro, o “Teoria da Cauda Longa”, que o autor fala exatamente isso, ele utiliza um exemplo interessante, por exemplo, você assistia ao Fantástico no domingo, e todos no trabalho comentavam sobre isso na segunda de manhã e isso virava a opinião da semana e de todo mundo. Hoje isso acabou, porque tem muito menos gente vendo Fantástico e também porque tem muito menos gente se submetendo a uma opinião imposta, e muito mais indo atrás da sua própria avaliação. Tu não fica esperando, tu vai atrás. Tu pega o Ipod da molecada hoje, é um caos, é uma mistureba, uma confusão. Mas isso é bom, porque não são mais as rádios daqui que determinam o que tu vai ouvir, acabou isso. Outra coisa que o Duda Mendonça falou que eu também achei interessante, é que a gente tem que se preocupar com o discurso. E o que eu entendi com isso, foi exatamente por isso que eu criei o selo, que é para se criar uma identidade, para que todos os artistas independentes deste selo tivessem uma qualidade em comum, você pode até não gostar da música, mas ela vai ser bem tocada e vai estar bem apresentada.



Como está a cena independente daqui na tua opinião, tem várias bandas, e como tu acha que está esse cenário por aqui?
Eu acho que o Rio Grande do Sul continua sendo o estado mais atrasado. Mas é porque repete a mesma visão dessa coisa que tá no tempo do charque ainda, de brigar com a Federação (Governo Central), porque ela confiscou o imposto do charque. É um estado que só reclama do Governo Federal, é um estado que tem uma opção por se isolar, e essa opção liquidou com as lideranças do estado frente ao cenário nacional. Tu não tem liderança empresarial, não tem lideranças comerciais, tais como as do norte e as da Bahia, por exemplo, que tem muito mais peso que a Fiergs, que a Farsul, lideranças da agricultura, lideranças políticas e em geral, fez o estado perder peso nacional, do ponto de vista das relações, porque na verdade ele abriu mão de disputar esse espaço, porque ele prefere se isolar e brigar com todo mundo. O Superguidis quando surgiram, não tinham reconhecimento nenhum por aqui. Eu eu falei, vocês são banda da internet, vocês são uma banda do mundo, esquece! De Guaíba pro mundo! Acho que as bandas que romperam com essa lógica se deram bem, tipo Pata de Elefante, que não ficaram esperando, começaram a circular nacionalmente, rompendo com essa lógica. Tem bandas que são grandes somente aqui no sul, mas que no território nacional não existem.

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