"Eu ia completar 15 anos dali a alguns dias, já frequentava as reuniões dançantes do Clube, assistia aos outros dançarem, me faltava coragem de tirar uma guria.
Pedi à mãe que me ensinasse direito. Começamos pela música mais complicada, o tango. Mostrou-me com graça o básico, aprendi depressa. Para minha surpresa, coordenava os passos sem perder o ritmo. no futebol, apesar do fôlego e vontade, não levava nenhum jeito. Impressionante, cresci de um mês para o outro, a voz se tornou grave, não dominava a timidez em falar com as meninas, namorá-las, me considerava medonho.Num domingo, depois da matiê, me convenci de dançar na reunião. Estava vestido com o único terno, tope triangular na gravata.
Quando a típica tocou o Late um corazón me arrepiei, saí do meio da turma, olhei uma guria de vermelho, atravessei o salão. Ela sorriu com doçura, a simplicidade do sorriso me perturbou, ao invés de com a esquerda lhe tomar a mão direita. Fiz o contrário, nos confundimos, porém, depois, enrubescido e tudo, consegui dirigi-la em vários passos, deu para me salvar. Pedi licença, voltei, os caras comentaram que estava bem, embora não houvesse pronunciado palavra. Dei resposta que a mão dela estava gelada e dançava demasiado de longe.
O gozador do Joaquim desafiou-me, pagava um guaraná se eu tirasse a irmã do Navarra.— Onde é que ela está? Sentada com a mãe e o irmão, ela não me pareceu bonita, mas, talvez um pouco de longe, tivesse uma aparência imponente e fosse alta como o Navarra. Tinha passado uma ou duas vezes por ela na rua e sequer imaginava possuísse o sangue do professor. O coração se moveu como um peixe no rio, bateu forte como no tango. Me dominei: quem come a amante, dança com a irmã. O conjunto começou a tocar um bolero, respirei fundo e me fui. Fiz o cumprimento com a cabeça, fingiu não me ver, outra mesura, levantou-se a contragosto, sem sorrir, olhos para cima. Tentei puxa-la para mim com a direita, se afastou. Que se danasse. Me concentrei na música e esperimentei a certeza de que dominava a dança, logo a mulher. Quando nos sincronizmos, perguntei-lhe o nome.— Nara — falou com inesperada voz delicada que me mexeu o pau.— Aprendeste a dançar com teu irmão?— Ele não dança, é religioso demais. Aprendi em Montevidéu, tenho uns tios lá.— Estás estudando lá — eu sabia que não, precisava de assunto.— Em Porto alegre. Fiz vestibular para Medicina, não passei. Porra, eu dançava com uma criatura de fortes dentes, olhos negros, feitos para invadirem a alma dum homem. Até vestibular já tinha prestado e eu, a custo, passara para o terceiro ginasial.
O suor correu pelas costas.
— Tiraste, então, o colegial na capital?
— Interna no Bom Conselho. Tive de escolher: ou interna num colégio ou ir para um convento para sempre.
— Convento?
— Promessa da minha mãe.
— E eu não ia te conhecer...
— Que?
— Tolice. Esquece.
Ter nos braços uma jovem que quase tinha sido freira me exitou. Os longos cabelos tocavam de leve em minha mão atrás, nova excitação, um alento no corpo. Tentei girar, o passo não saiu certo. Tinha de falar alguma coisa que a impressionasse, pensei em que já conhecia mulher e ela não conhecia homem, talvez.
Mas só besteira saiu:— Te agradeço por dançares com uma criança.
— Criança nada, és mais alto — ela concedeu, abriu os lábios sem baton, com um início de simpatia. Estou atrasado nos estudos, fui aluno de teu irmão. Queria cursar o colegial em Porto Alegre, não sei se vai dar.
— Por que não?
— Meu pai é um simples contador de banco.
— O meu trabalha com fumo e o Américo e eu conseguimos ir adiante — eu não podia sequer insinuar que o Navarra recebia ajuda da Igreja. O conjunto emendou outro bolero, nao teve tempo de pedir licença. Guiei-a para o meio do salão repleto e me aventurei, tremendo:
— Esta vai ser a última vez que danço contigo, queria te abraçar como numa despedida. Ela tirou a mão do ombro sem sorrir e permitiu que eu colasse por alguns segundos, o suficiente para sentir que eu tinha um pau que endurecia. Separou-se repentina e perguntou porque eu não dançava com meninas da minha idade. Olhei-a com um sorriso sarcástico e tentei puxa-la, resistiu. A música cessou, achei que ia embora, mas permaneceu comigo junto com os outros pares. Mediu-me de alto a baixo e indagou que idade eu tinha.
— Fiz quinze agora.
— Atrasado nos estudos, mas atrevido — não mostrando os dentes me pareceu comum.
— Sou tímido, não sei nada, tu és a primeira moça que abraço. Silenciou, olhos baixos, eu precisava dizer qualquer coisa.
— Os mais velhos não te tiram para dançar porque têm medo de tua inteligência e beleza. Claro que ela sabia não ser tão bonita, mas tinha consciência que eu lhe sentia os peitos, dentes, e adivinhava a bunda sobraceira, no entanto menor que a do irmão.
— Vou ter de te deixar agora. Estuda bastante e me procura em Porto Alegre . Meu irmão vai me matar por ter dançado com um guri da tua idade — disse com um sorriso de vítima que lhe ficava bem. E jurei que um dia ia ver sua bunda e lhe correr a boca com a língua."
Esse ótimo texto faz parte do livro Jairo e seus Diabos, do escritor Antônio Carlos Resende, que foi uma importante figura da crônica esportiva atuando como narrador de futebol. Resende criou um estilo único para se destacar em uma época que a transmissão de uma partida de modo diagonal, com dois narradores, posicionados um de cada lado do campo. O estilo de Resende, definido pelo próprio como "dó, ré, mi", consistia em transmitir tendo como base a escala musical, começava em tom grave e depois ia crescendo para o agudo à medida em que o jogo ganhava mais emoção. Resende desenvolveu sua técnica com um professor de música, ele treinava para ter voz e saber usá-la na transmissão. Sua técnica é praticada até hoje pelos narradores do rádio gaúcho. Segundo Resende, as características fundamentais para um bom locutor esportivo são: voz, precisão, rapidez, não perder jogada, não atrasar jogada, bola de pé em pé, jogo de metro a metro, localização do jogador e das jogadas, entusiasmo, fusão de sentimentos e imparcialidade.
Pedi à mãe que me ensinasse direito. Começamos pela música mais complicada, o tango. Mostrou-me com graça o básico, aprendi depressa. Para minha surpresa, coordenava os passos sem perder o ritmo. no futebol, apesar do fôlego e vontade, não levava nenhum jeito. Impressionante, cresci de um mês para o outro, a voz se tornou grave, não dominava a timidez em falar com as meninas, namorá-las, me considerava medonho.Num domingo, depois da matiê, me convenci de dançar na reunião. Estava vestido com o único terno, tope triangular na gravata.
Quando a típica tocou o Late um corazón me arrepiei, saí do meio da turma, olhei uma guria de vermelho, atravessei o salão. Ela sorriu com doçura, a simplicidade do sorriso me perturbou, ao invés de com a esquerda lhe tomar a mão direita. Fiz o contrário, nos confundimos, porém, depois, enrubescido e tudo, consegui dirigi-la em vários passos, deu para me salvar. Pedi licença, voltei, os caras comentaram que estava bem, embora não houvesse pronunciado palavra. Dei resposta que a mão dela estava gelada e dançava demasiado de longe.
O gozador do Joaquim desafiou-me, pagava um guaraná se eu tirasse a irmã do Navarra.— Onde é que ela está? Sentada com a mãe e o irmão, ela não me pareceu bonita, mas, talvez um pouco de longe, tivesse uma aparência imponente e fosse alta como o Navarra. Tinha passado uma ou duas vezes por ela na rua e sequer imaginava possuísse o sangue do professor. O coração se moveu como um peixe no rio, bateu forte como no tango. Me dominei: quem come a amante, dança com a irmã. O conjunto começou a tocar um bolero, respirei fundo e me fui. Fiz o cumprimento com a cabeça, fingiu não me ver, outra mesura, levantou-se a contragosto, sem sorrir, olhos para cima. Tentei puxa-la para mim com a direita, se afastou. Que se danasse. Me concentrei na música e esperimentei a certeza de que dominava a dança, logo a mulher. Quando nos sincronizmos, perguntei-lhe o nome.— Nara — falou com inesperada voz delicada que me mexeu o pau.— Aprendeste a dançar com teu irmão?— Ele não dança, é religioso demais. Aprendi em Montevidéu, tenho uns tios lá.— Estás estudando lá — eu sabia que não, precisava de assunto.— Em Porto alegre. Fiz vestibular para Medicina, não passei. Porra, eu dançava com uma criatura de fortes dentes, olhos negros, feitos para invadirem a alma dum homem. Até vestibular já tinha prestado e eu, a custo, passara para o terceiro ginasial.
O suor correu pelas costas.
— Tiraste, então, o colegial na capital?
— Interna no Bom Conselho. Tive de escolher: ou interna num colégio ou ir para um convento para sempre.
— Convento?
— Promessa da minha mãe.
— E eu não ia te conhecer...
— Que?
— Tolice. Esquece.
Ter nos braços uma jovem que quase tinha sido freira me exitou. Os longos cabelos tocavam de leve em minha mão atrás, nova excitação, um alento no corpo. Tentei girar, o passo não saiu certo. Tinha de falar alguma coisa que a impressionasse, pensei em que já conhecia mulher e ela não conhecia homem, talvez.
Mas só besteira saiu:— Te agradeço por dançares com uma criança.
— Criança nada, és mais alto — ela concedeu, abriu os lábios sem baton, com um início de simpatia. Estou atrasado nos estudos, fui aluno de teu irmão. Queria cursar o colegial em Porto Alegre, não sei se vai dar.
— Por que não?
— Meu pai é um simples contador de banco.
— O meu trabalha com fumo e o Américo e eu conseguimos ir adiante — eu não podia sequer insinuar que o Navarra recebia ajuda da Igreja. O conjunto emendou outro bolero, nao teve tempo de pedir licença. Guiei-a para o meio do salão repleto e me aventurei, tremendo:
— Esta vai ser a última vez que danço contigo, queria te abraçar como numa despedida. Ela tirou a mão do ombro sem sorrir e permitiu que eu colasse por alguns segundos, o suficiente para sentir que eu tinha um pau que endurecia. Separou-se repentina e perguntou porque eu não dançava com meninas da minha idade. Olhei-a com um sorriso sarcástico e tentei puxa-la, resistiu. A música cessou, achei que ia embora, mas permaneceu comigo junto com os outros pares. Mediu-me de alto a baixo e indagou que idade eu tinha.
— Fiz quinze agora.
— Atrasado nos estudos, mas atrevido — não mostrando os dentes me pareceu comum.
— Sou tímido, não sei nada, tu és a primeira moça que abraço. Silenciou, olhos baixos, eu precisava dizer qualquer coisa.
— Os mais velhos não te tiram para dançar porque têm medo de tua inteligência e beleza. Claro que ela sabia não ser tão bonita, mas tinha consciência que eu lhe sentia os peitos, dentes, e adivinhava a bunda sobraceira, no entanto menor que a do irmão.
— Vou ter de te deixar agora. Estuda bastante e me procura em Porto Alegre . Meu irmão vai me matar por ter dançado com um guri da tua idade — disse com um sorriso de vítima que lhe ficava bem. E jurei que um dia ia ver sua bunda e lhe correr a boca com a língua."
Esse ótimo texto faz parte do livro Jairo e seus Diabos, do escritor Antônio Carlos Resende, que foi uma importante figura da crônica esportiva atuando como narrador de futebol. Resende criou um estilo único para se destacar em uma época que a transmissão de uma partida de modo diagonal, com dois narradores, posicionados um de cada lado do campo. O estilo de Resende, definido pelo próprio como "dó, ré, mi", consistia em transmitir tendo como base a escala musical, começava em tom grave e depois ia crescendo para o agudo à medida em que o jogo ganhava mais emoção. Resende desenvolveu sua técnica com um professor de música, ele treinava para ter voz e saber usá-la na transmissão. Sua técnica é praticada até hoje pelos narradores do rádio gaúcho. Segundo Resende, as características fundamentais para um bom locutor esportivo são: voz, precisão, rapidez, não perder jogada, não atrasar jogada, bola de pé em pé, jogo de metro a metro, localização do jogador e das jogadas, entusiasmo, fusão de sentimentos e imparcialidade.
Resende está aposentado da crônica esportiva, mas não da literatura. Completando 80 anos de vida, irá lançar mais um livro este ano pela editora L± foi citado pelo jornalista Carlos André Moreira em seu blog, o Mundo Livro, no site zerohora.com
Moreira aliás, foi merecidamente homenageado na última sexta-feira pela Câmara do Livro, com o troféu Amigo do Livro.
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